O Problema da Expansão do Conhecimento em Gottlob Frege
por Diego Cândido
No célebre Über Sinn und Bedeutung, Gottlob Frege apresenta o conceito de valor cognitivo de uma sentença, isto é, o quanto uma sentença é capaz de expandir os conhecimentos de quem a lê. Essa valoração é, claro, subjetiva. Uns conhecem mais que outros, quer por capacidades intelectivas, quer por diferentes épocas e etc.
Podemos dizer, por exemplo, que a frase “O cartão de crédito está bloqueado” significa algo completamente diferente para uma pessoa do século XXI e para uma pessoa, digamos, do século XVII. Isso nos é óbvio, mas podemos generalizar essas proposições tal como Frege faz. Em geral, de uma sentença temos duas opções: extraímos ou não conhecimento dela. Se não extraímos conhecimento, isso pode se dar por dois fatores: já temos o conhecimento que ela fornece ou não somos capazes de entendê-la. Uma frase escrita em Intereslavo poderá significar nada para o leitor, assim como a demonstração de um complexo teorema matemático. Esse caso é pouco relevante para nós. Então podemos generalizar da seguinte forma:
- Há proposições que emitem conhecimento novo
- Há proposições que nós já conhecemos
Sejam x e y duas proposições. A sentença “x = x” é certamente trivial. Segundo Frege, ela é analítica e a priori. Já a sentença “x = y” não é trivial, mas sintética e a posteriori. O leitor certamente sabe que “a = a”, mas não necessariamente que “a = b”. A primeira sentença não amplia o conhecimento do sujeito que a lê, enquanto a segunda pode ou não ampliar, conforme vimos acima.
Vale notar que há casos em que “x = y” é analítica, como no caso de uma simples troca de palavras trivial que no fim quer dizer a mesma coisa.
O observador atento notará um problema: se “x = y”, então deduzimos novamente que “x = x”, pois “y = x”. Ou seja, na verdade não estamos adquirindo novos conhecimentos. Parece-nos, então, que endossamos o neopositivismo: nossas sentenças nada dizem de novo. Poderíamos daí inferir falaciosamente que essas proposições só terão validade pela experiência externa e etc. Mas não é esse nosso objetivo. Como podemos escapar dessa conclusão? Eis a questão que nos é posta.
A solução se dá pelo conceito de Sinn (sentido) e Bedeutung (referência, importância ou valor – tradução incerta). Consideremos as afirmações:
- x = x
- x = y
Temos em ambas o mesmo objeto x, mas x nos é apresentado sob diferentes formas ou modos de apresentação. Na primeira sentença, x é apresentado sob a forma de si mesmo, enquanto na segunda sentença x é apresentado sob a forma (ou sentido) de y. Isso nos mostra que, ao ler uma sentença, o sentido se sobrepõe ao conteúdo. Cada forma sob a qual nos é apresentada um sentença traz consigo uma cadeia de premissas e definições que diferem do caso da sentença se apresentar sob si mesma.
Isso certamente nos lembra do que diz Saussure em seu Curso de Linguística Geral:
Alguém pronuncia a palavra nu: um observador superficial será tentado a ver nela um objeto linguístico concreto; um exame mais atento, porém, nos levará a encontrar no caso, uma após outra, três ou quatro coisas perfeitamente diferentes, conforme a maneira pela qual consideramos a palavra: como som, como expressão duma ideia, como correspondente ao latim nudum etc. […] Tudo isso nos leva a crer que, acima desses diversos órgãos, existe uma faculdade mais geral, a que comanda os signos e que seria a faculdade linguística por excelência.
Ferdinand de Saussure, Curso de Linguística Geral
Sem essa referência, não é possível existir linguagem. Não é possível que duas ou mais pessoas se comuniquem sobre uma árvore sem que ambas entendam qual é a referência do objeto árvore. Essa referência é anterior e posterior à comunicação. Ao ver uma árvore, todos saberão o que aquilo é, mesmo que nenhuma delas pronuncie a palavra árvore.
Em Da Interpretação, Aristóteles diz que o bode-cervo significa algo, ainda que nem verdadeira e nem falsa. Ora, o bode-cervo não existe. Ele em si não é nem verdadeiro e nem falso. Como sabemos, então, o que é o bode-cervo? Pelo sentido. Pelo Sinn de Frege. O mesmo sentido que nos permitiu diferenciar x = y de x = x.
Assim, essa valoração fregeana depende, no fundo, do sentido da sentença, do significado que ela carrega. Reiteramos, portanto, que esse é um valor puramente subjetivo e nada significa sem o seu sujeito.